fonte: The NY Times
As crianças que desenvolvem a rara, mas grave síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), relacionada à Covid, podem superar seus sintomas mais severos em seis meses, mas ainda podem sentir fraqueza muscular e dificuldades emocionais nessa fase, sugere um novo estudo.
Publicado no periódico Lancet Child and Adolescent Health na segunda-feira (24), o estudo parece ser o primeiro olhar minucioso sobre a saúde das crianças seis meses após serem internadas com o problema.
A síndrome costuma aparecer de duas a seis semanas após uma infecção por Covid-19 que é geralmente branda e pode resultar em hospitalização para crianças com sintomas graves que envolvem o coração e outros órgãos.
Uma incógnita importante é se as crianças que sobrevivem à SIM-P terão sequelas. O novo estudo, com 46 crianças e adolescentes de menos de 18 anos internados em um hospital em Londres com SIM-P (na Grã-Bretanha chamada pela sigla Pims-TS), sugere que muitos dos problemas mais sérios se resolvem com o tempo.
“Acho que não sabíamos o que esperar”, disse Justin Penner, médico de doenças infecciosas pediátricas no hospital envolvido no estudo, o Great Ormond Street Hospital (Gosh). “Não sabíamos quais sistemas do corpo exigiriam assistência ou se tornariam um problema depois de um mês, três meses, seis meses.”
Os pacientes foram internados entre 4 de abril e 1º de setembro de 2020, como parte da primeira onda de síndrome inflamatória. Muitos estavam bastante doentes. Todos tinham inflamação sistêmica, e a maioria apresentava sintomas que envolviam diversos sistemas, como o cardíaco, o renal ou o circulatório.
Do total, 45 crianças tiveram sintomas gastrointestinais, e 24, sintomas neurológicos como confusão, problemas de memória, alucinações, dores de cabeça ou problemas de equilíbrio ou controle muscular.
Respiradores mecânicos foram requeridos por 16 crianças, 22 precisaram de medicação para ajudar seus corações a pulsar com maior eficácia e 40 foram tratadas com imunoterapia. Todas sobreviveram.
Seis meses depois da alta, só uma criança ainda tinha inflamação sistêmica, apenas duas tinham anomalias cardíacas e seis tinham sintomas gastrointestinais. Todas menos uma puderam retomar a escola, virtual ou pessoalmente.
Mas 18 das crianças sofriam de fraqueza muscular e fadiga. E 15 crianças experimentaram dificuldades emocionais, como ansiedade ou mudanças de humor severas.
Nos Estados Unidos, 3.742 jovens até 20 anos desenvolveram a síndrome e 35 morreram, segundo os dados mais recentes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças.
Um importante estudo de resultados em longo prazo já recrutou 600 crianças e as acompanhará durante cinco anos, segundo uma líder da iniciativa, Jane Newburger, diretora-associada de assuntos acadêmicos no departamento de cardiologia do Hospital Infantil de Boston.
Newburger, que não participou do relatório britânico, chamou-o de “estudo pequeno, mas importante”.
Tanto ela quanto os autores do estudo comentaram que houve limitações nas conclusões, porque as crianças não foram comparadas com um grupo de controle sem SIM-P ou com outras doenças.
Não está claro, por exemplo, se os problemas emocionais e fraqueza muscular foram consequências da síndrome, da internação ou outros fatores de estresse. “A saúde mental e o condicionamento físico sofreram um baque nas crianças e adolescentes em geral durante a pandemia”, disse Newburger.
Para Srinivas Murthy, professor-associado de pediatria na Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), que não participou do novo estudo, o fato de algumas crianças ainda terem fraqueza e resistência muscular pode gerar um aprendizado importante sobre o tratamento, incluindo “oportunidades de reabilitação pós-internação”.
Penner disse que a equipe do Gosh fez modificações no tratamento das crianças hospitalizadas com a síndrome desde o outono no hemisfério Norte. No hospital, por exemplo, “muitas vezes simplesmente ir do leito para o banheiro é extremamente difícil para elas”, disse ele.
O hospital hoje dá mais enfoque à fisioterapia e ao trabalho com terapeutas músculo-esqueléticos, disse ele; ao terem alta, os pacientes recebem um plano de reabilitação individualizado ligado a um aplicativo.
“Também envolvemos nossos terapeutas ocupacionais e desenvolvemos um programa contra fadiga que funciona uma vez por mês, em que os pais telefonam para uma sessão de grupo”, disse Penner.
“Acho que a principal mensagem que passamos a eles é para evitar esse ciclo em que as crianças tentam fazer as coisas a que estavam acostumadas em plena velocidade e depois despencam —em vez de um aumento gradual.”
A equipe do hospital continua acompanhando a saúde das crianças. Uma preocupação é que surjam mais tarde problemas renais ou gastrointestinais, como ocorre às vezes depois de outras doenças críticas, escreveram os autores do estudo. A equipe também espera conduzir avaliações neurocognitivas e outros testes neurológicos, segundo Penner.
“Não sabemos quais serão os resultados em longo prazo”, explicou ele. Mas, por enquanto, acrescentou, “poder transmitir pelo menos o que vimos até agora aos pais realmente nos permitiu aliviar em parte suas ansiedades sobre a caixa-preta de incógnitas ligadas a essa nova doença”.